segunda-feira, 5 de maio de 2008

a aposto do semi arido

Um dos pressupostos básicos para a integração competitiva do Nordeste ao mercado é o apoio à ciência e à tecnologia, ao lado do estímulo aos estudos e pesquisas e à sua difusão. Trata-se de uma preocupação antiga de muita gente e de muitas instituições, tantas são as manifestações neste sentido em trabalhos técnicos e legais. As próprias leis que criaram órgãos como o DNOCS, Sudene e BNB já previam sua atuação como centros geradores e de difusão de conhecimento para a sociedade nordestina, dado o seu impacto significativo no crescimento econômico-social da Região.

A preocupação é procedente, desde que o conhecimento passou a ser poderosa ferramenta de progresso, com grande capacidade de multiplicação de riquezas. Basta lembrar que o valor de algumas das grandes corporações cujos ativos são o conhecimento supera o PIB de muitas nações. O valor de mercado da Microsoft (US$ 580 bilhões, dez-2000), por exemplo, é mais da metade do PIB do Mercosul, hoje.

A situação por si mostra que, muito mais do que a produção tradicional, cada vez mais a informação e a geração do conhecimento, o "pensar" conceitos e produtos é que alavanca riquezas rapidamente. Em regiões como o Brasil e o Nordeste, em particular, onde a geração do conhecimento e sua difusão ainda representam grande desafio, é preciso um choque para induzir a sociedade a se mobilizar em torno da geração de novos conhecimentos e de sua disseminação.

Neste sentido, é muito salutar a chegada do Instituto Nacional do Semi-Árido (INSA), idealizado com o objetivo de propor programas e subsidiar políticas públicas que minimizem os problemas provocados pela seca, com dotação orçamentária de R$ 60 milhões até 2007.

A solenidade de sua instalação, em Campina Grande (PB), no dia 19 de dezembro último, marca o início de um novo ciclo de fomento à ciência e à tecnologia na Região. Representa também um marco para se aprofundar o conhecimento do semi-árido, mediante apoio a projetos de pesquisas por parte do Ministério da Ciência e da Tecnologia (MCT) e do Banco do Nordeste, através de seu Fundo de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNDECI).

A parceria firmada entre ambos mobiliza recursos no montante de R$ 12,7 milhões e deve consolidar a Renorbio - Rede Nordeste de Biotecnologia. Do total, R$ 5 milhões aportados pelo BNB e o restante pelo Ministério, em três parcelas: R$ 2,7 milhões em 2003, sendo R$ 200 mil para a parte administrativa da Rede; R$ 2,5 milhões em 2004; e R$ 2,5 milhões em 2005. Segundo o ministro Roberto Amaral, a destinação destes recursos integra a política de desconcentrar a ação do MCT visando elevar o nível de desenvolvimento de áreas do País com baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).

O aviso-edital (veja íntegra em www.bnb.gov.br) terá duas chamadas distintas. A primeira se refere ao Aviso FUNDECI-MCT-RENORBIO, com orçamento de R$ 2,5 milhões, voltado para aplicação exclusiva no semi-árido. A segunda é relativa ao Aviso BNB/ETENE-FUNDECI, que mobiliza aportes no montante de R$ 5 milhões.

rede de biotecnologia

No caso da primeira fase, serão contemplados com prioridade projetos nas áreas de biotecnologia. Foram definidos pela Rede Nordeste de Biotecnologia temas como bioprospecção de plantas do semi-árido nordestino com propriedades medicinais ou de interesse para o controle biológico; otimização de processos biotecnológicos para a obtenção de produtos a serem aplicados em saúde humana; estudo do genoma funcional para identificação de genes para expressão em plantas; e aprimoramento e obtenção de técnicas que possam ser aplicadas na reprodução animal, com vistas à expressão gênica de substâncias de interesse farmacológico que possibilitem a redução de doenças da Região.

A Rede de Biotecnologia do Nordeste ficará vinculada ao Instituto Nacional do Semi-Árido (INSA) e representa ferramenta poderosa de uso da biociência para ações que visam à redução da fome e de graves problemas de saúde humana.

BNB/ETENE-FUNDECI

No caso do aviso BNB/ETENE-FUNDECI, a diretoria do Banco do Nordeste elevou os recursos de R$ 3 milhões, em 2002, para R$ 5 milhões, em 2003, com incremento nominal de 67%. Os recursos são direcionados para o apoio a projetos de realização de pesquisas tecnológicas e de difusão de seus resultados, na área de atuação do BNB - Nordeste, norte de Minas Gerais e norte do Espírito Santo.

Os projetos recebidos serão classificados em separado por região (semi-árido ou não) e categoria (P&D e difusão), de forma que cada projeto concorrerá apenas com os projetos da mesma região e categoria. Do orçamento, pelo menos 80% serão destinados à pesquisa e desenvolvimento tecnológico e até 20% para difusão tecnológica.

Os pesquisadores saúdam acontecimentos como a instalação do INSA, a consolidação da Renorbio, a nova política e a ampliação dos recursos do BNB. Eles significam uma nova postura diante de problemas antigos como o preconceito de que é puro desperdício de recursos investir em P&D no Nordeste. Significam também a oportunidade de acabar, através da pesquisa, com mitos em torno da Região, como o de que o ecossistema da caatinga é pobre e homogêneo. Ou que o semi-árido não passa de um amontoado de miseráveis, eternos sugadores de recursos públicos.

A verdade é que, de prioridade retórica, objeto da comiseração de imperadores e presidentes, o semi-árido precisa mesmo é ser objeto de preocupação permanente. Esta, pelo menos, é a esperança de pesquisadores como o economista Roberto Smith, atual presidente do Banco do Nordeste. Para ele, todo o trabalho desenvolvido pelo Banco do Nordeste através FUNDECI e de outros mecanismos de apoio ao setor de ciência e tecnologia tem um foco prioritário e urgente: o fortalecimento econômico do semi-árido nordestino, mediante apoio à realização de projetos de pesquisa e de difusão tecnológica.

Os recursos do Banco, somados aos de diversas outras fontes, têm permitido o desenvolvimento de importantes projetos, englobando extensa gama de temas identificados com o semi-árido. É o caso, por exemplo, da agricultura de sequeiro, irrigada e orgânica, da pecuária, da agroindústria, da biotecnologia, dos recursos hídricos, preservação do meio ambiente e xerofilismo, monitoramento climático e energia renovável, entre outros.

Segundo os técnicos do FUNDECI, na adequação de fatores ao semi-árido tem-se buscado a introdução de espécies exóticas ajustadas ao meio, a utilização de técnicas contemporâneas como a biotecnologia vegetal e animal, processos de inseminação artificial e outros meios disponibilizados pela ciência moderna.

No âmbito da agricultura de sequeiro, destacam-se as investigações de novas variedades, adubação, espaçamento e outros aspectos nos projetos com culturas alimentícias (feijão, milho, mandioca, caju, manga, abacaxi), forrageiras (sorgo, cunhã, algaroba, leucena, palma), oleaginosas (mamona, algodão, gergelim etc.), fibras (algodão e sisal) e plantas medicinais, entre outras.

soja "tropical" como alternativa

Cabe ainda destaque especial à difusão da soja "tropical", que, embora se situe no cerrado nordestino, representou a introdução de uma alternativa econômica importante em área contígua ao semi-árido.

Em relação à agricultura irrigada, é crescente o número de projetos apoiados com recursos do BNB/FUNDECI para estudar aspectos diversos das culturas de tomate, melão, melancia, uva, acerola, mamão, maracujá, cebola e alho, entre tantas.

No caso da pecuária voltada para o semi-árido, são numerosos os trabalhos, cabendo relevar os projetos de ovinocaprinocultura de corte e leite (estudos a respeito de melhoramento racial, reprodução, alimentação, sanidade, manejo, melhoria de produtos e subprodutos).

Na agroindústria, o esforço de avanço tecnológico vem-se materializando através dos projetos com laticínios, polpas de frutas, compotas, derivados de grãos e tubérculos.

No setor industrial, cujas características permitem que numerosas tecnologias geradas em outras regiões possam ser adotadas com igual eficiência no Nordeste, existem nichos onde a competitividade, ainda que potencialmente, se faz presente na Região. Em particular, no âmbito dos setores intensivos em tecnologia (informática, novos materiais, química fina, biotecnologia, telecomunicações, mecânica de precisão etc.) existem janelas de oportunidades que podem ser aproveitadas na Região, estimulando-se os diversos atores, mediante ações articuladas (fóruns, redes de pesquisa, projetos cooperativos, plataformas etc.).

Tais tecnologias emergentes dão margem ao surgimento de novos mercados pela aproximação entre pesquisadores e empresários em ambientes como as incubadoras de empresas, ligadas aos parques tecnológicos instalados nas universidades e centros de pesquisa da Região.

recursos hídricos, energia e meio ambiente

Na área dos recursos hídricos, os projetos apoiados pelo Banco do Nordeste via FUNDECI abrangem o monitoramento climático, a prospecção de reservas hídricas, a acumulação, a dessalinização e outras formas de tratamento da água para consumo humano e animal.

O meio ambiente foi contemplado com estudos referentes à preservação de áreas e mananciais, à recuperação de zonas degradadas, à utilização econômica de resíduos, à introdução de métodos preservacionistas, como a agricultura orgânica, e à difusão de práticas de equilíbrio ambiental na agricultura e nos demais setores.

Quanto à energia, o esforço se concentra na obtenção de formas energéticas alternativas, de modo a dotar as unidades produtivas mais remotas desse insumo indispensável e atingir a otimização de uso. Daí os trabalhos com energia eólica, solar, de biomassa e de outras fontes.

Esse conjunto de ações mostra a preocupação do Banco do Nordeste com a viabilização do semi-árido como parte significativa da realidade nordestina, na qual se deve implementar mecanismos de convivência e superação, incluindo, neste caso, a exploração conveniente dos recursos ali existentes e transformando esse habitat pela utilização das suas próprias potencialidades, como a exuberância da luz solar, provedora de múltiplas safras em um mesmo ano.

Box :

Os recursos do FUNDECI, fundo criado em 1971, são oriundos do próprio Banco e têm caráter não-reembolsável. São beneficiárias de sua ação entidades sem fins lucrativos como fundações, institutos, universidades, autarquias e outras entidades legalmente habilitadas a conduzir projetos de pesquisa e difusão tecnológica, com comprovada estrutura e competência.

Desde o início de suas operações, o FUNDECI já aplicou cerca de US$ 63,8 milhões distribuídos em 1.100 projetos das mais diversas áreas: biotecnologia; agricultura irrigada; fruticultura e hortaliças; métodos de irrigação poupadores de água; culturas alimentícias e forrageiras voltadas para o semi-árido; melhoramento genético; produção e conservação de alimentos, entre outras.

Desse trabalho, resultaram produtos como a difusão da soja "tropical"; o melhoramento do ovino deslanado do Nordeste; o melhoramento genético do algodão; o melhoramento da pastagem nativa; o uso e difusão de plantas medicinais; a seleção e multiplicação do abacaxi "Smooth cayenne"; e a multiplicação das mudas de caju, cajueiro anão-precoce e precoce irrigado.

A atuação do BNB para a área se completa com os programas de crédito específicos direcionados ao setor produtivo, particularmente aos segmentos que utilizem tecnologia avançada, para os quais são mobilizados recursos de várias fontes.
Essa contribuição do Banco deve ser interpretada, sobretudo, em termos de sua função catalisadora, como instrumento de mobilização de recursos financeiros e técnicos. Contudo, é preciso reconhecer que as necessidades de desenvolvimento do Nordeste estão a exigir esforço bem mais amplo, integrado e profundo na área de pesquisa científica.

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